«The identity graphic crisis, the quest for the universal logo. My parametric, biometric face, black and white with wireframe as a graphic result.»
Sérgio Miguel Magalhães, 02.2018

Como representar a individualidade graficamente? O que nos distingue? O nosso nome, data de nascimento, cor dos olhos ou orelhas… Tudo dados concretos, factuais. Mas somos mais do que os nossos dados biométricos. A nossa identidade é definida pelo que somos e como somos, como agimos e reagimos. A nossa personalidade pode ser “simplificada” e extrapolada num conjunto de dados binários, ajudando a detalhar a equação para lá do visível.

Numa era de vigilância digital constante, em que a nossa informação e o nosso perfil são partilhados e negociados pelas grandes empresas, devemos aceitar essa abertura, esta ideia de individualidade open-source? Assumir que se a informação já existe, vamos completá-la e aproveitá-la a nosso favor, transformando a big data em resultados visuais, num símbolo que me identifique?

Mas como representar 7 biliões de individualidades num sistema fechado, lógico e visual? Um código que não seja um código. Uma representação e não uma identificação. A capacidade de nos revermos na solução e não uma marca que nos categoriza. Há uma linha ténue entre branding e branding — o ato de marcar gado com ferro quente.

 

 

Entre marcar e representar. Entre propriedade e individualidade. A resposta será sempre a procura de uma solução humanizada, que permita transformar um código numa marca pessoal (vide Messenger Codes), que nos tira da ideia a associação a produto e consumo, à catalogação.

 

Voltemos ao início. O que nos distingue?

Há um conjunto de dados base que podemos considerar, como aqueles que estão presentes no nosso cartão de cidadão ou de utente: o nosso nome, a data de nascimento, o género, a nossa ascendência, nacionalidade ou grupo sanguíneo. Mesmo dentro destes, alguns poderão ser variáveis ao longo da vida — a nacionalidade ou o género, por exemplo, (um dado inicialmente binário)—, o que obriga a uma responsável atualização da nossa identidade universal.

A estes podemos acrescentar ainda as características humanas observáveis, maioritariamente genéticas, e também elas, à sua maneira, diferenciadoras. As entradas no cabelo ou a capacidade de enrolar a língua, covinhas na face ou sardas. Todos estes dados poderão servir para acrescentar uma camada extra de informação e personalização. Quando tentamos simplificar e representar a individualidade, um conceito tão complexo e relativo, todos os dados, por muito insignificantes que possam parecer nesta multiplicidade de combinações, afetam o resultado final e aproximam-nos um pouco mais da verdadeira representação.

No entanto, estes dados base, visíveis, tão simplistas, num universo de biliões, dificilmente seriam o suficiente. Um livro não se julga pela capa, diz o provérbio. E nós não podemos reduzir-nos ao superficial. Temos que ir mais longe. Temos que quantificar a personalidade de cada um, coisa tão descabida como cada vez mais comum nos dias de hoje, não mais do que atributos de uma personagem num qualquer jogo de consola.

Como base deste modelo hipotético, recorremos aos Big Five, o modelo dos cinco fatores. Cinco campos, dois pólos, um slider. Abertura à experiência, conscienciosidade, extroversão, conveniência e neuroticismo. Através desta parametrização, conseguimos retirar alguns valores para juntar à nossa “fórmula” de personalidade.

 

 

A este caldo de dados, podemos ainda acrescentar a biometria. O mapeamento de veias, a impressão digital ou o reconhecimento facial. Reconhecimento pela retina, de voz, da assinatura ou até da digitação. Sistemas de leitura mais standardizados ou mais recentes, mais ou menos falíveis. Aqui a procura não é pelo melhor método, é sempre na óptica de agregar a maior quantidade de dados diferenciadores possível. Tudo são bits, pequenas peças de um puzzle muito maior, em constante evolução e manutenção.

Analisamos dados estatísticos, visuais e traços de personalidade e olhamos agora para o digital.

O conceito de identidade digital não é novo e está mais presente do que nunca. Quando utilizamos a nossa conta de Facebook para nos registarmos numa loja online de bebidas alcoólicas, para comprovarmos a nossa idade, podemos estar a fornecer (conscientemente ou não) outros dados, desde nome e nacionalidade ao histórico de navegação ou até alguns locais visitados.

Numa era de vigilância digital constante, em que a nossa informação e o nosso perfil são partilhados e negociados pelas grandes empresas, devemos aceitar essa abertura, esta ideia de “individualidade open-source” e assumir que se a informação já existe, vamos completá-la e aproveitá-la a nosso favor.

Após a data de desenvolvimento deste artigo, a Mastercard divulgou num comunicado de imprensa a sua intenção de desenvolver, juntamente com a Microsoft, uma identidade digital reconhecida universalmente:

«Votar, conduzir, concorrer a uma vaga de emprego, alugar um casa, casar e embarcar num avião: o que é que tudo isto tem em comum? Precisas de provar a tua identidade. Em parceira com a Microsoft, estamos a trabalhar para criar uma identidade digital reconhecida universalmente.»
traduzido do tweet @MastercardNews

Segundo a Mastercard, o acesso à identidade digital reconhecida universalmente pode desbloquear novas e melhoradas experiências às pessoas enquanto interagem com negócios, prestadores de serviços e a sua comunidade online, incluíndo comércio, serviços financeiros ou do estado.

Mas os desafios não acabam aqui. Depois de coletados todos estes dados, há que perceber como desenvolver um sistema de identificação capaz de representar toda a informação que corresponde a uma individualidade (incluindo os referidos dados mutáveis), que permita a criação de um elemento identificativo único. Esse elemento, de cariz universal, terá que representar sem estereotipar, sem “marcar” as pessoas de forma mecânica e descaracterizado, como um código de barras. Entramos aqui noutro tema sensível (como é todo este conceito, na verdade). Se ambicionamos representar a individualidade, a nossa humanidade, não poderemos cair nunca numa catalogação, que nos associe a um produto/marca ou a uma qualquer realidade distópica como vemos nos filmes. Tem que ser algo que cative, que não inferiorize e, acima de tudo, sem qualquer conotação negativa em qualquer parte do mundo. Que abranja tudo e todos, em qualquer canto do mundo.

A resposta estará num código visual, com recurso a elementos gráficos baseados em formas geométricas. Algo na linha de outros códigos visuais universalmente aceites, como o código Morse (1835), o código de Barras (1974) ou o código QR (1994).

A título de exemplo, o gerador de logótipos da SMK (Universidade de Ciências Sociais Aplicadas, Lituânia):

«04 passos fáceis de jogos e testes e a aplicação gera o teu próprio e único símbolo. O logótipo exportado pode ser usado em qualquer trabalho da universidade, redes sociais ou merchandising.»

 
Através de um questionário que agrega dados (como por exemplo, área de estudo e características pessoais) são gerados ícones que juntos formam um elemento maior, um conjunto de diferentes peças que representam o estudante.

As bases não são novas nem revolucionárias. O desafio gráfico prende-se com a criação de uma solução, que sendo completamente abstrata, consiga não ser descaracterizada, desumanizada.

Mas se o desafio gráfico não é pequeno, menos ainda é o da recolha, processamento e computação do sistema. E tudo isto sem chegarmos à complexidade do desafio ético. Um “pormenor” que pode muito bem tornar todo este raciocínio inútil. Há quem defenda que estamos já a um pequeno passo de isso acontecer, com toda a informação a ser centralizada nas grandes empresas de dados. Mas será esse pequeno passo um novo salto para a humanidade?

 

Tiago Nogueira
08.02.19